Nasci para saber, cresci para aprender
Texto de passos em passos inspirado em pensamentos ao longo da minha vida
Parte do meu ser é inveja. Não quero o mal de ninguém, muito pelo contrário, sempre torço para que quem eu amo sempre possa ter o melhor e eu amo todo mundo porque acho que o ser humano é parte da natureza e eu amo a natureza por ser o motor da vida, apesar de também entender que algumas pessoas buscam ou já tem características que odeio. Apesar de ter uma relação complexa comigo mesma por eu ter muitas características que eu considero inferiores, eu também me amo por ser parte dessa rede da existência na natureza que considero divina, por isso também acho que eu mereço o melhor e me frustro quando não consigo. Acho também que não tive muito sucesso tentando aproveitar meu potencial porque “potencial” é uma ideia muito vaga de “você parece que pode se dar bem nisso”, mas poder nem sempre é o certo. Potencial para mim é o que naturalizamos em nós e nos damos o direito de tornar natural na nossa vida, não necessariamente a definição cultural de sucesso, mas pode ser o sucesso de percebermos que temos na vida o que sabemos que é melhor para nós (verbo ter em conformidade com o verbo haver).
Parte do meu ser é inveja porque considero a inveja uma reação natural a uma vontade de ter o que acredito que faço por merecer, enquanto isso, não acho que essa inveja que deseja o mal seja “inveja” porque desejar o mal não é reação, mas é ódio e ódio é um sentimento que deve ser ativamente nutrido para roubar o espaço da razão em todos os campos da mente humana. Inveja que deseja o mal não é acreditar merecer o melhor que pode, mas é desejar tirar o que o outro tem e é um pensamento predatório nutrido pela ideia de que apenas uma pessoa pode ter sucesso e essa pessoa deve ser nós, mesmo que façamos uso da violência para isso (não aceito permitir que minha mente se corrompa com a competição econômica de domínio masculino). Sou inveja porque amo meus amigos que têm uma melhor condição, não apenas financeira, que eu e nem sempre posso dar o melhor para eles porque o meu melhor não é o que eu sou capaz e nem o que eles merecem, mas o que a vida me permitiu ter. Sinto inveja porque a vida me permitiu ter algo menor do que eu acho que posso fazer por merecer.
Já tendo falado da inveja, penso que a inveja não é apenas sobre bens materiais, então penso em todas as formas que eu poderia ser brilhante, mas não pude ser. O texto, porém, não é sobre não poder e invejar quem pode, mas sobre não conseguir. Portanto, devo elaborar agora o que eu realmente quero dizer. Nesse sentido, quando meu hobby era estudar o que eu conseguisse de psicologia, aprendi que o nosso meio tem a capacidade de nos apagar, independente do quão potencialmente brilhantes nós somos e, as vezes, precisamos de muita maturidade e esforço mental para conseguir ignorar o meio e ascendermos na nossa tragetória em busca do nosso sucesso, seja lá qual for nossa definição pessoal de sucesso – isto é um achismo, não tenho base para discorrer sobre o assunto.
No final, percebi que o problema estava em mim, porque eu não fazia a minha parte para superar o meio, e nem sempre eu queria realmente fazer por merecer. Acho que essa é, também, uma reação natural do ser humano ao meio e até concordo que quem quer vencer pelo menos a sobreviência na sociedade vigente deve superar o meio de qualquer forma, mas, por não acreditar na meritocracia e só concordar porque já é quase impossível superando (imagina sem superar), não acho justo impor uma ideia moral de que quem não supera o meio é alguém inferior e que não fez o suficiente, porque acredito que toda reação deve ser julgada pelo psicológico, não pelo social-econômico, e, creio eu, que a Psicologia existe para nos ajudar a superar exatamente porque “superar” não é uma qualidade inata do ser humana e é apreendida também dependendo do meio.
É engraçado como se perdoar e se entender é bem mais fácil quando escrevemos tentando ajudar um outro a se perdoar e se entender, mas, na vida real, nós que sabemos ao menos uma teoria de como se ajudar nunca a usamos e precisamos de outro alguém com outra teoria para fazê-lo por nós. Então explicando o subtítulo, “de passos em passos” são coisas que invejei, e ainda invejo, quem os foram capazes de fazer e, assim, ilustro o título com tudo que eu tive o “potencial” de fazer, mas nunca me permiti fazer porque não tive força para superer o meio. Este é o momento que me chamo de covarde, mas, como é um texto sobre uma reação que quero naturalizar, removo qualquer tipo de julgamento. Parece uma auto punição, mas o objetivo é, principalmente, a identificação e a criação de uma consciência que peceba que, apesar de não sermos capazes de superar sozinhos, podemos sempre tentar entender que alguém já esteve no nosso lugar e está disposto a compartilhar.
Trouxe três ilustrações que começam aqui e cada itálico é uma ilustração diferente.
Quando pequena eu queria assistir Victoria's Secrets Fashion Show todo fim de ano, mas nunca assisti porque ninguém na minha casa gostava além de mim e eu não gostava de assistir nada sozinha, e eu gostava de todo filme relacionado a moda ou cujos personagens se vestiam bem. Achei também que, na época, eu queria ser modelo de passarela, mas, infelizmente, eu nunca tive o que era necessário para isso, além de ter medo de todas as histórias relacionadas as agências. Já adolescente, pensei em cursar Design de Moda, mas não tinha dinheiro para uma faculdade particular e não tinha o curso nas federais do meu estado, então não me dei o trabalho de tentar procurar formas de estudar longe. Pensei, então, em estudar moda por conta própria, mas percebi que não tinha capacidade para isso porque é um conteúdo muito extenso e eu nunca soube por onde começar. Fiz pastas no Pinterest com todas as grandes marcas de moda e pesquisei filmes e documentários da história da moda e dos designers, mas nunca assisti porque estava com a mente cansada do dia a dia.
Na nossa infância, minha irmã mais velha cantava na igreja e eu sentia vontade de mostrar que eu também conseguia cantar, mas sempre tinha alguém melhor que eu para cantar no meu lugar. Conforme ia crescendo eu ia ouvindo musicais e tentava cantar junto, mas o ideal do soprano como única voz bonita me fez desistir de cantar junto com a atriz porque eu não alcançava a nota. Na adolescência decidi que queria tocar baixo elétrico a qualquer custo, mas o custo era acima do que eu achava que tinha capacidade de juntar sem gastar com um prazer momentâneo, então não tentei. Quando adulta quis formar uma banda e eu seria a vocalista, compositora e baixista porque meu parceiro acreditava no meu potencial em todas essas áreas, inclusive que eu conseguiria juntar para comprar um baixo usado de segunda mão para treinar, mas quanto mais insatisfeita eu ficava comigo mesma, menos eu tentava.
Na pré adolescência, decidi que eu deveria cursar Psicologia pela minha sensibilidade com a natureza e as diferenças humanas, mas nunca tive a capacidade de lidar com as minhas próprias dificuldades e, acreditando que o melhor seria me isolar dos possíveis problemas, nunca me tornei madura para ajudar a lidar com os problemas de terceiros, por isso, desisti do curso. Quando tentei de novo, no meu primeiro ENEM, a Psicologia estava na moda por causa da viralização do existencialismo, da banalização do cuidado com a saúde mental e da romantização de transtornos mentais (termos tendenciosos não propositais), não consegui me classificar, mas, apesar de reconhecer essa “fase”, reconheço, principalmente, que não me dediquei o suficiente porque decidi aceitar que eu era incapaz de aprender certos assuntos. No meu segundo ENEM, nem tentei Psicologia porque decidi dar ouvidos a quem dizia (eu entendia com 17 e entendo com 21 que não foi por mal) que eu não tinha maturidade para estudar na universidade que eu sonhava, mas era longe, e que meu verdadeiro potencial era a comunicação, a escrita e os idiomas, por isso, fiz Letras em uma universidade perto, que eu amo, mas não era meu objetivo original.
Com vinte e um anos, após me permitir (lê-se obrigar) a ter experiências que eu não poderia contar com os meus pais, mas não só isso, me permitir ter experiências que meu antigo moralismo superficial não permitiam, ouvi das pessoas ao meu redor que eu tenho potencial para ser uma ótima psicóloga. Também ouvi pessoas que se importam com o que gosto e tenho a dizer falarem que eu tenho um bom senso de estilo e que combino com trabalhos do tipo, como ter um ateliêr. Além disso, quando me conectei não com o ideal, mas com o ideal para mim e o que combina comigo, percebi que, se eu treinasse, eu conseguiria cantar como essas cantoras que passei a admirar. Dessa forma, a inveja foi cada vez mais naturalizada em mim não como querer o que o outro tem, mas como ver o outro como inspiração para o que eu posso ter como o meu melhor.
Então, eu invejei cada vez mais experiências, cada vez mais conversas que eu não entendia e apenas aprendia, e cada vez mais eu entendi como superar o meio não é sobre fazer algo para merecer ser a vencedora, não é sobre trabalhar enquanto dormem ou pagar cursos de como me tornar minha melhor versão. Posso estar enganada, mas cheguei ao pensamento de que – sem ignorar a ajuda profissional que recebo há anos – a inveja me levou a querer estar e aprender com o que eu considero bom nos meus próprios termos. Essa não é uma solução. A ideia romântica de estar com o que nos faz bem e o que é real não conserta o nosso meio, não muda o mundo, nem torna a cultura vigente mais acessível, mas nos faz nos martirizar menos por não sermos capazes de fazer o que dizíamos que tinhamos potencial. Acho que não perdemos nosso potencial, só acabamos sendo a consequência de uma sociedade que não quer nos ver vencer, mas quando saímos da corrida contra o tempo e não nos inferiorizamos por fazer o necessário enquanto buscamos formas de nos entender em sociedade, acaba ficando levemente mais fácil perceber que podemos fazer agora o que não conseguimos fazer no passado como reação ao que o meio fez de nós.